segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Narrativa Épica e o Hobbit.


Desde os primórdios a necessidade de comunicação era uma coisa inerente ao homem. Os homens primitivos saiam em suas caçadas e se deparavam com um mundo hostil e cheio de mistérios a serem desbravados. Esta visão de mundo passou a suscitar em nossos antepassados o desejo de expressar suas experiências, bem como contar suas histórias. Podemos imaginar estes homens, sentados em volta de fogueiras, tentando seja através de gestos, desenhos ou, posteriormente, da língua falada, passar estas histórias para seus iguais. Este impulso primeiro em contar e guardar seus feitos para posteridade coloca a semente das narrativas épicas nas descrições e no imaginário do homem.
Etimologicamente, a palavra “Épico” vem do grego “epos” ou “épikos” e possui vários significados como poemas, recitação e versos. Extrai de uma das formas mais remotas de comunicação humana a vontade de tornar memoráveis seus feitos em suas histórias. A narrativa épica caracteriza-se como uma narrativa de assunto ilustre, sublime, solene, contendo acontecimentos históricos reais, lendários ou mitológicos ocorridos a muito tempo, de heróis de superior força física e/ou psíquica, embora de constituição simples, cujas façanhas simbolizam as grandezas de todo um povo. O gênero épico, portanto é uma narrativa que apresenta um episódio heróico da história de um povo, não necessariamente contando toda sua história, mas ressaltando seus valores e os simbolizando em seus feitos e buscas. O professor Massaud Moisés, em seu livro “A Criação Literária” diz que

A poesia épica tradicional (...) servia de espelho onde se refletiam as representações, anseios e aspirações dos povos, carentes de alimento para a sensibilidade e a imaginação: a contemplação da beleza heróica ofertava-lhes as respostas esperadas.”
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária.
Estas respostas são exatamente o que podemos ilustrar como a busca dos anões na obra “O Hobbit” de J.R.R. Tolkien, onde eles cantam as glórias de um povo há muito sem uma identidade, um lar, enaltecendo o caminho percorrido pelos heróis deste povo sem uma terra para chamar de sua. O caminho para a redenção de toda uma raça estava bloqueado pelo grande dragão Smaug, uma das maiores calamidades da Terra-Média naqueles dias, e a coragem de daquele pequeno grupo de anões deveria ser o suficiente para derrotar o terrível inimigo.
A presença do mago Gandalf, ou “Mithrandir” ([miˈθrandir]), na língua dos elfos, que significa “Peregrino Cinzento”, também nos leva a enxergar um traço da escrita épica, onde o chamado "maravilhoso", isto é, a intervenção direta, na narrativa, de seres com poderes sobre-humanos ou sobrenaturais, é comumente encontrada nos textos. No épico pagão encontramos geralmente a intervenção do elemento divino, ligado a mitologia greco-romana, mas também podemos observar a intervenção do divino na mitologia judaico-cristã, e em suas narrativas bíblicas. Gandalf aqui é o elemento dissonante em termos de capacidades, com grandes poderes mágicos, e está presente agindo muitas vezes de forma direta, mas também sumindo em diversos momentos forçando os heróis a superação de grandes dificuldades sem a sua ajuda.
O herói neste tipo de narrativa precisa superar seus medos, anseios, vaidades, para se tornar o herói que seu povo aguarda para espelhar-se nele. Thórin Escudo de Carvalho precisa ser o rei que aquele povo perdeu, para trazer de volta a esperança de um reino usurpado pelo terrível Smaug, e simbolicamente sua busca é a busca de todos os membros de sua raça e seus objetivos também são comuns: Encontrar-se, lembrar-se de sua grandeza e restituir o que lhes pertence.
Sobre suas costas recaem todas as esperanças de sua raça e ele deve manter-se digno em seu discernimento. Por mais que isso não aconteça durante boa parte do livro, após recuperar seu tesouro, ele finalmente encontra redenção e o perdão em sua morte. Os atos heróicos perpetuados por este herói jamais serão esquecidos e seus feitos serão lembrados por gerações e gerações. Este é o objetivo primeiro de uma narrativa épica, tornar os heróis eternos. Quando Tolkien descreve a morte de Thórin, é quase impossível não perceber o que aquilo representou... Redenção. Não apenas dele, mas de todo o seu povo.
Nas palavras do autor, Thórin se vai e

“Sobre seu túmulo o Rei Élfico depositou então Orcrist, a espada élfica que foi tomada de Thórin no cativeiro. Contam as canções que ela brilhava a escuridão quando os inimigos se aproximavam, e a fortaleza dos anões não podia ser pega de surpresa.”
TOLKIEN, J.R.R. O Hobbit. Pág 283
O Rei dos anões, mesmo tombando em batalha, jamais será esquecido, e sua jornada, será lembrada por todos os membros de sua raça como o momento que os anões retomaram para si o reino sob a Montanha Solitária, a custo de muito sangue derramado e lágrimas vertidas. E este, certamente, seria um grande conto épico da terra de Erebor.


2 comentários:

  1. Cara, excelente texto! Senti falta de você comentar também a função do Bilbo, visto que com Gandalf e Tórin ele conclui a tríade épica. Ele é o bardo que volta com a história para contar, nos épicos gregos e cristãos, normalmente a história é contada por quem não é o mais forte ou o mais poderoso, mas dotado de espírito e sabedoria suficiente para fazê-lo, vide o narrador das aventuras de Quixote.
    Cara, o layout novo ficou massa e outra, você reparou como o Senhor dos Anéis toma emprestado vários elementos do Harry Potter... NOT!!! huahauahuahuahau, essa foi boa!
    Filipe

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    1. Boa sacada, Filipe. Obrigado por contribuir com o blog. Forte abraço.

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